É a primeira vez que publico a entrevista que fiz a este ex-soldado norte-coreano, em Agosto de 2006.
Publico-a em forma de diário.
Hoje, Young Jin Han vive na Coreia do Sul e é repórter do Daily NK. Lembrei-me dele, novamente, porque li isto e mais isto.
Sou Young Jin Han. Tenho 35 anos. Fugi da Coreia do Norte em Junho de 2000 e durante três anos vivi no nordeste da China, até que em Agosto de 2003 consegui entrar na Coreia do Sul. Eu passava fome na Coreia do Norte e acima de tudo não tinha liberdade. Eu sempre sonhei com a liberdade. Estudei na universidade, entre 1987 a 1991 e depois servi no exército. Na Coreia do norte, quem não trabalha para o Estado, nem vale a pena ir trabalhar para outro lado porque não recebe dinheiro. Num sistema socialista, o Estado dá dinheiro aos trabalhadores, mas agora, como a Coreia do Norte não tem dinheiro, os trabalhadores não recebem nada. Por isso, quando as pessoas trabalham não recebem nada. Se precisarem de alguma coisa vão aos mercados locais vender o que têm e trocam produtos. Enquanto soldado do exército, recebia um salário mensal entre os cinco e os 10 mil wons. Com cinco mil wons conseguia comprar cinco quilos de arroz e com dois mil comprava uma pequena porção de carne de porco. São cerca de dois a três dólares por mês. Como as pessoas recebem pouco, não querem trabalhar. Mas a polícia obriga-as. Por isso, as pessoas vão para o trabalho, mas não trabalham porque o governo não lhes dá dinheiro. Em vez de trabalharem, saem e tentam encontrar outras coisas fora do trabalho. Vendem qualquer coisa, no mercado paralelo. Até aos anos 80, do século XX, tínhamos saúde, educação e alimentos básicos de graça. O sistema até ia bem, mas depois da morte de Kim Il-Sung, em 1994, o sistema faliu. Houve uma crise de fome. Não havia qualquer apoio. Até ao ano passado [2005] nem suplemento de arroz era providenciado. Esta crise durou quase 10 anos. O Estado começou outra vez a dar em Outubro do ano passado, mas em pequenas porções. Só que isso acabou outra vez este ano [2006]. Desde Março que só os soldados recebem arroz. As outras pessoas têm que se arranjar por si. Qualquer jovem norte-coreano serve no exército durante 10 a 13 anos. Desde os 17 até aos 30 anos. Durante esse tempo recebem treino militar, mas também fazem trabalhos de construção civil. Constroem estradas, edifícios…Trabalham como soldados e como operários de construção civil. Desde a crise da fome, muitos soldados sofrem de má nutrição, mesmo estando no exército, por isso são mandados de volta para casa porque não servem para o exército. Alguns roubam as aldeias mais próximas porque têm fome e claro que são castigados. Isto é o que se passa no exército regular. As tropas especiais, as que estão no paralelo 38, na DMZ [Zona Desmilitarizada], são bem nutridos, não sofrem de má nutrição. O sistema educativo é bom, é gratuito, e os estudantes das universidades até recebem bolsas. Não têm de pagar, mas o dinheiro é pouco e os jovens estudantes são obrigados a trabalhar no campo nas férias. Trabalham para terem educação e têm que dar algumas coisas. Por exemplo, quem quer estudar tem de criar coelhos e dar à escola pelo menos 10 peles de coelho para que a escola consiga vender essas peles e encaixar algum dinheiro. O governo não dá muito dinheiro às escolas. Na verdade, a escola não é totalmente gratuita porque os estudantes são obrigados a trabalhar. A escola vende essas peles a outros países para conseguir obter moeda estrangeira, esse dinheiro vai depois para o governo, que depois reenvia uma pequena parte à escola. A saúde também é gratuita. Os médicos tratam os pacientes de graça, mas cada doente deve comprar os seus próprios medicamentos. E as pessoas não têm dinheiro. Todos os médicos na Coreia do Norte trabalham para o Estado e todos os hospitais são estatais. Eles recebem um ordenado muito pequeno do governo, por isso têm de fazer dinheiro extra, indo também ao mercado vender qualquer coisa ou receber dinheiro extra dos pacientes. Todos os norte-coreanos estão organizados. Todos são obrigados a estar numa organização, num sindicato de trabalhadores, ou de estudantes. E cada organização controla e regula os seus membros. Uma vez por semana, cada membro dessa organização tem que criticar uma outra pessoa qualquer por algum motivo. Com este tipo de organização, o governo consegue controlar as pessoas. Para além disso, o governo faz execuções públicas para amedrontar os norte-coreanos e controlá-los. Vejo Kim Il-sung e Kim Jong-il de formas diferentes. Não tenho maus sentimentos para com Kim Il-sung porque ele lutou pela nossa independência durante o período da ocupação japonesa. A economia esteve bem enquanto ele esteve no poder. Depois da chegada de Kim Jong-il ao poder, começaram as políticas do medo e da força militar. O exército e a polícia começaram a controlar todos os aspectos da vida e a fome apareceu. Eu odeio Kim Jong-il. Eu não odeio Kim Il-sung. Antigamente, aqui na Coreia do Sul, quando o número de refugiados era pequeno, o governo conseguia dar trabalho a todos, agora há tantos refugiados que o sistema de apoio não chega a todos e só 10% dos refugiados têm trabalho. Este é o grande problema dos refugiados norte-coreanos aqui, agora. Outro grande problema é que os refugiados mantêm o pensamento, as tradições e o estilo de vida norte-coreanos, por isso não conseguem conviver bem com os sul-coreanos. Quem se transforma para parecer mais um sul-coreano arranja trabalho mais facilmente. Hoje sou repórter do Daily NK. Estou na casa dos trinta. Deixei os meus pais, irmãos e sobrinhos na Coreia do Norte. A maior parte dos refugiados norte-coreanos que vivem aqui [Coreia do Sul] ou na China deixou a família na Coreia do Norte. Até meados dos anos 90, o governo norte-coreano castigava os familiares dos dissidentes, que também eram vistos como traidores, mas agora há cada vez mais dissidentes, por isso não conseguem castigar todas as pessoas. Por isso deixam as famílias viverem por si, mas só os vigiam. Nunca mais vi ou falei com a minha família. Gostava de voltar à Coreia do Norte, mas só depois da reunificação. Gostava de voltar à minha cidade-natal e reconstruí-la.