A partir de Nova Iorque, o brasileiro Caio Blinder faz “divagações sobre a loucura calculista da Coreia do Norte”.
Gostei tanto desta crónica publicada no Último Segundo que partilho aqui na íntegra:
NOVA YORK- Em meio à pirotecnia nuclear e verbal da Coreia do Norte, existem poucas luzes explicativas sobre os motivos e intenções do regime de Kim Jong-il. Há a versão de que o tirano precisa endurecer ainda mais (jamais com ternura) para assegurar a passagem do poder para o seu filho caçula. Neste caso, considerações domésticas falariam mais alto do que a típica chantagem de botar fogo para achacar mais do seguro internacional (concessões em negociações nucleares multilaterais e mais assistência para o país miserável).
Vamos ser sinceros e admitir que sabemos pouco sobre o que acontece nos porões da ditadura comunista norte-coreana de Kim Jong-il. Os “kimólogos” têm uma tarefa mais ingrata do que a os antigos “kremlinólogos” e “sinólogos” que tentavam decifrar o que se passava dentro do poder soviético ou da China dos delírios maoístas. Sabemos algo com boa margem de acerto: sem ajuda do vizinho chinês, o regime norte-coreano não sobrevive. Os chineses dão comida, alguma cobertura diplomática para um país tão marginalizado e impedem um êxodo em massa de refugiados.
Em espetáculos pirotécnicos passados encenados pelos tigrinhos norte-coreanos, os líderes chineses se recusaram a adotar dura pressão econômica. Não querem justamente desestabilizar o país vizinho. Ademais a sobrevida do regime comunista sempre teve alguma utilidade estratégica para Pequim. Mantém os norte-americanos ocupados com uma crise de proporções imprevisíveis e adia o cenário de reunificação da península coreana, o que significaria um mais poderoso aliado dos EUA na porta de casa.
A China, porém, não torce por um efetivo arsenal nuclear norte-coreano. Como a União Soviética nos tempos da Guerra Fria, não deseja que poderes subordinados tenham perigosas ferramentas militares independentes e teme que este status nuclear deflagre uma corrida armamentista regional. Um Japão militarmente nuclear seria uma ameaça a longo prazo para a China.
Fala-se muito que o ditador Kim Jong-il é um louco calculista, mas loucuras podem resultar em erros de cálculo. A China está cada vez mais irritada com as encrencas e provocações tramadas em Pyongyang. O regime de Pyongyang foi uma espécie de “inocente útil” para os interesses de Pequim. Hoje tem menos utiliidade e um potencial para causar muito estrago na ordem mundial.Os chineses são acionistas cada vez mais importantes nesta ordem mundial. Não vão obviamente subordinar seus interesses à agenda norte-americana, mas existe uma simbiose de competição e cooperação entre a ainda única superpotência do planeta e a que está emergindo. Há indicações de menos relutância da diplomacia chinesa para endossar um novo pacote de sanções a serem amarradas no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resta saber se o conceito de dureza dos chineses irá se afinar com o de países ocidentais e do Japão. A nova dimensão da crise norte-coreana pode ser um teste histórico para a China tratar o incômodo parceiro com o devido desrespeito, mas ainda com muito cuidado.
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