Qual foi a rota que traçou para fugir à fome?
Apanhei um comboio da minha aldeia (no nordeste) até a uma cidade que faz fronteira com a China. Para viajar dentro do meu país é preciso ter uma autorização especial. Como não tinha tive de usar a inteligência para evitar os guardas.
Quando saí do comboio ainda andei cerca de 16 quilómetros a pé e depois atravessei o rio Yalu. Do outro lado da margem ficava uma cidade chinesa, onde trabalhei numa herdade. Nessa altura não planeava de todo vir para Seul. Só atravessei a fronteira para ganhar dinheiro, porque alguns amigos meus que já tinham estado na China diziam que lá até os cães comiam arroz, enquanto que eu só comia papas de milho.
Ao atravessar o rio com mais dois amigos, um deles morreu afogado porque o nível das águas estava muito elevado. Mas eu continuei com esse meu outro amigo Depois de atravessar o rio, fomos para a tal herdade onde assinei um contrato de um mês, para poder depois regressar à Coreia do Norte com dinheiro. No entanto, esse agricultor nunca me pagou porque sabia que eu era uma refugiada norte-coreana, por isso eu e o meu amigo fugimos dessa herdade e fomos para outra cidade trabalhar em restaurantes e quintas, durante um ano. Durante todo esse período nunca me pagaram, enganaram-me…durante um ano só trabalhei e comi. Voltei a fugir porque fui ameaçada…diziam que iam contar às autoridades chinesas que eu estava ali.
Há coisas que quero apagar da memória. Durante esse tempo bateram-me muito, fui vendida, traficada…
Estava tão desesperada por não ter dinheiro para regressar…fui tratada como um animal…quis matar-me várias vezes mas não consegui. Percebi as diferenças do nível de vida entre a China e a Coreia do Norte. Ouvi dizer sempre que Kim Il-Sung era o maior líder do mundo e que estávamos a viver num paraíso, mas agora percebo que eram só mentiras, o nível de vida na China é muito melhor do que na Coreia do Norte.
Fui até ao rio Yalu disposta a suicidar-me, porque pensava que se morresse o meu corpo ia até à minha cidade natal… mas não consegui fazê-lo. Nessa altura, pela primeira vez na vida, questionei-me: quem sou?…o que sou?
[continua]
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