Myung Hee (nome fictício) era educadora de infância numa zona rural da Coreia do Norte.
Deixou de trabalhar quando veio a crise da fome porque não tinha forças para andar e trabalhar. O estômago ficou vazio.
Myung está agora na Coreia do Sul. Entrevistei-a em Seul. Ainda hoje fala a medo porque a mãe e a irmã continuam lá.
Esta é a primeira parte de uma entrevista a uma mulher norte-coreana que só questionou a própria identidade aos 27 anos, após a fuga do país dos Kim.
Porque fugiu da Coreia do Norte?
Tinha fome.
Até 1994 a comida era racionada. Tinhamos alimentos apenas duas vezes por dia, mas conseguíamos comer. Depois da morte de Kim Il-Sung, esse racionamento parou por completo. Não tínhamos qualquer fonte de alimento, por isso subíamos às montanhas para arranjar nem que fossem raízes de plantas, que misturávamos com farinha de milho para fazer uma papa. Mesmo que quisessemos comprar alguma coisa, não tínhamos dinheiro. Por isso tínhamos que vender a nossa mobília e lençóis…vendíamos qualquer coisa só para ter algum dinheiro e comprar mais farinha de milho.
Era educadora de infância lá. Numa das visitas que fiz a uma creche de Pyongyang reparei que aos três anos as crianças estão sempre a sorrir. Nunca vi uma birra…
É natural. As crianças são bem treinadas para fazer vénias diante dos retratos de Kim Il-Sung e Kim Jong-Il e sorrir. São bem treinadas para sorrir, principalmente quando são visitadas por turistas. Se não o fizerem são depois castigados e ficam sem comida.
Também sofreu castigos desses em criança?
Claro, muitos. Nós tínhamos sessões de crítica, mas como não conseguia seguir ordens a toda a hora, era castigada. Em criança, se não sorrisse, obrigavam-me a estar de braços levantados durante quase uma hora como castigo, ou então punham-me fora da escola, para não estar junto dos outros e sentir-me miserável. Outras vezes ia para uma espécie de palanque com todos os miúdos à volta a culpar-me. Outra vezes batiam-me com um pau…Quando cresci, tinha medo daquelas grandes sessões de censura, porque todas as pessoas ficavam a saber que eu era de uma condição baixa.
Alguma vez soube o que significava a palavra escolher?
Nem por sombras, nem sabia que existia essa palavra porque não havia liberdade de escolha. Nunca pensei nisso, nem tinha identidade. Não sabia quem era, o que era.
[continua]
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